27/08/2018: Crítica "O Teatro me representa": Pippin - Nós temos mágicas, para fazer; risos, para divertir; e emoção, para oferecer
Feito
esse extenso preâmbulo, vamos ao alvo desta crítica, que é uma modesta análise de uma segunda montagem de um dos meus musicais favoritos, “PIPPIN”, em cartaz no Teatro Clara Nunes (VER SERVIÇO), desta
vez pelas mãos de CHARLES MÖELLER e CLAUDIO BOTELHO. Não farei nenhuma
comparação com a primeira montagem,
há 44 anos, por não ver o menor sentido
nisso e porque são duas realidades e propostas completamente diferentes, ambas
estupendas.
Assisti
ao “PIPPIN” 2018 duas vezes (por
enquanto): na sessão para convidados e três dias depois. Vi dois espetáculos distintos, o segundo bem melhor que o primeiro. A
razão disso é muito simples de se entender. No dia da estreia e na sessão para
convidados, regra geral, quase todos, em cena, com algumas exceções, deixam-se
tomar por um nervosismo, até compreensível, uma vez que serão “julgados” por
pessoas que têm intimidade com o TEATRO,
e não pelo público comum, o qual, além de seu bom (ou mau) gosto, não tem
embasamento técnico para avaliar uma peça.
Por conta disso, tenho evitado, o quanto posso, comparecer a sessões de estreia
ou às chamadas VIPs (não costumo
utilizar o termo, pois “vips” são todas
as pessoas). Apenas em casos especiais (“PIPPIN” era um, para mim, pois aguardava a atual montagem, ansiosamente, fazia tempo.), compareço
a sessões adjetivadas como “especiais”.
Adoro o musical e a atual montagem
está linda, porém houve alguns problemas que não me deixaram cem por cento feliz
com o que vi, na primeira vez. Mas, assim mesmo, valeu a pena. Fiz questão,
porém, de rever logo a peça, com o
intuito de escrever sobre ela, na certeza plena, e ratificada, de que assistiria a um espetáculo mais “limpo”, com os problemas resolvidos e que,
evidentemente, melhorará, mais ainda, a cada nova sessão. Pretendo aplaudir “PIPPIN” mais algumas vezes.
Um clássico dos musicais, na década de 70
(estreou em 1972), “PIPPIN” recebeu
onze indicações ao Tony Awards e conquistou cinco prêmios: Melhor Ator, Melhor Cenografia,
Melhor Iluminação e Bob
Fosse ganhou os de Melhor
Direção e Melhor Coreografia. A montagem causou uma revolução estética
na Broadway, “com uma estrutura ousada e a
aposta na metalinguagem” (o TEATRO dentro do TEATRO). Decididamente, “PIPPIN” não é um musical como os outros; ele é quase único. Em 2013, mereceu um “revival”,
na meca dos musicais, com estrondoso
sucesso, ficando, por quase dois anos, em cartaz e ganhando quatro prêmios Tony.
Às
vésperas de completar 30 anos de
vitoriosa parceria, este é o 43º
espetáculo assinado pela dupla MÖELLER
& BOTELHO. Com os direitos de
montagem adquiridos por eles, já há algum tempo, os dois foram adiando, por
motivos vários, esta encenação, mas
valeu a pena, pois se trata de uma de suas melhores criações, dentre tantas
outras. Para falar a verdade, quase todas o são. Eu tenho o meu “top 41”, com relação às peças assinadas por M&B, com direito às minhas preferidas, que não cabem nos dedos
das duas mãos. Acho que nem se os dos pés entrassem na contagem. Mas por que 41, de 43? Porque, que eu me lembre, apenas duas montagens da dupla não me agradaram como as outras, mas os
que me leem ficarão sem saber quais foram, para evitar celeumas.
A
atual leitura de “PIPPIN” é digna de
todos os elogios e, com certeza, estará brigando por premiações, ao final da temporada de 2018, já que,
merecidamente, faz jus a elas.
O espetáculo tem uma “dramaturgia arrojada”, que foge aos
padrões da grande maioria dos musicais,
valorizada, entre nós, pela versão
brasileira, de CLAUDIO BOTELHO.
Por ser uma peça política, na sua
essência, na melhor acepção do termo, BOTELHO
resolveu acrescentar detalhes, na sua versão,
que aproximam mais o público brasileiro do espetáculo,
das mensagens que o texto contém e
já trazia, de outra forma, no original. Colocou, na boca de alguns personagens, falas que nos dizem muito,
de perto, as quais podem ser associadas à vida política nacional, chegando até,
por meio de uma “pérola, brilhante e 'cheia' de sentido”, dita
pelo rei CARLOS MAGNO, a nos lembrar
uma folclórica, para ser mais leve, chefa do governo brasileiro, mestra nesse
tipo de frases: “O pôr do sol parece com o nascer do sol; mas é diferente.” (ou
vice-versa, o que dá no mesmo).
Além disso, CLAUDIO aproximou o passado do presente, e faz, na sua versão, alusão a “fazer um doc”; usa a adjetivação “bela, recatada e do lar”; critica a Guerra Santa, as 1ª e 2ª
Guerras Mundiais, a Guerra da Síria,
não perdendo a oportunidade de comentar sobre os números de mortos por
violência, no Brasil, superior aos daqueles conflitos bélicos. Não poderiam ficar
de fora, também, as “fake news”, sem
falar no pouco caso das “autoridades” brasileiras no tocante à cultura, em
geral, ao colocar, na boca de um personagem, algo como isto: “Quando
o rei faz cortes no orçamento, a primeira coisa a ser cortada é a arte.”.
Abriu espaço, também, para um oportuno “Fora, Carlos!”.
Como
deve ser mesmo um musical, as 15 canções que compõem o “set list” ajudam a contar a história, totalmente inseridas em cada cena a que estão atreladas, no que diz
respeito às letras, estas, no
original, escritas por STEPHEN SCHWARTZ,
o mesmo gênio que também criou outras OBRAS-PRIMAS,
como “Godspell” e “Wicked”, por exemplo, também compositor das belíssimas melodias. E, já que estamos no quesito “canções”, não posso deixar de dizer
que sou apaixonado por todas e que me atrevo a cantá-las, no chuveiro, com as
letras em inglês, enquanto não tenho acesso às versões, o que espero conseguir
em breve.
O
texto, sem dúvida, já bastaria para
credenciar a peça como excelente, por sua estrutura, temática
e viés político, como já disse, atingindo a públicos, creio eu, de diversas
nacionalidades, idades, sexos, credos, já que o protagonista carrega consigo um drama existencial, por isso mesmo, universal,
ou seja, a procura pelo eu, pela sua própria essência, por sua razão de existir.
Eu
poderia relacionar muitos motivos para que se assista a este fantástico espetáculo, porém vou
ater-me a apenas alguns, o que já fará esta crítica, que vem sendo escrita “em capítulos”, interrompida, várias
vezes, por diversos motivos, bastante extensa. Mas não posso frear as minhas
emoções, diante de uma maravilha,
como “PIPPIN”.
A TOTIA MEIRELES cabe a incumbência de “narrar” e conduzir o
espetáculo, como MESTRA DE CERIMÔNIAS /
LÍDER DA TRUPE TEATRAL, costurando as cenas e fazendo intervenções
absolutamente necessárias, com toques de um ótimo humor, que cabe à personagem, quando, para citar apenas
um momento, funciona como o “Google”
do ano 840 d.C., explicando, à
plateia, por exemplo, o que vem a ser “frísios”
e “visigodos” (um glossário ao
vivo). TOTIA é uma de nossas mais
completas atrizes e, sem dúvida, um
nome de respeito na galeria das grandes cantrizes
brasileiras. Nem me atrevo a dizer o número de grandes musicais de que participou, sempre com o maior brilhantismo. Jamais
a vi num papel menor ou numa atuação idem. Cada vez que entra em cena, nesta peça, parece que o palco fica mais
iluminado, com o acréscimo de sua luz própria. O seu papel, originalmente, foi
escrito para ser interpretado por um homem, como o fez, brilhantemente, o
grande Ben Vereen, na primeira
montagem de “PIPPIN”. No “revival”, de 2013, Patina Miller fez
o(a) personagem, mas não foi a primeira mulher a representá-lo(a), uma vez que, no Brasil, como já disse, o papel foi
defendido, muito antes, por Marília Pêra
e, depois, por Suely Franco, que a substituiu.
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